Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo
''A Igreja está no mundo para testemunhar a fé completa sobre
Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador'', destaca Dom Odilo
Na Semana Santa do Ano da Fé somos
convidados a confrontar-nos com os vários “Mistérios da Fé” celebrados nesses
dias abençoados. Pensando bem, boa parte da nossa Profissão de Fé (Credo) está
relacionada estreitamente com as celebrações da Semana Santa e da Páscoa. É um
motivo a mais para que a vivamos intensamente, deixando-nos envolver por Deus,
que veio ao nosso encontro de maneira tão misericordiosa salvadora.
Em nossa fé cristã católica professamos que Deus
enviou ao mundo seu único Filho, Jesus Cristo para nos salvar. Em tudo, o Filho
assumiu a nossa condição humana, menos no pecado; São Paulo bem recorda que o
pecado nunca dominou sobre Ele. Salvar, significa dar sentido pleno à nossa
existência e a participação na felicidade completa; isso somente Deus pode nos
dar. O Filho, feito homem, acolheu a todos nós em sua santa humanidade, mostrou
a luz de Deus para que possamos viver iluminados pela verdade e ele mesmo se
fez para nós o caminho, a verdade e a vida.
Poderia Deus realizar o seu desígnio a nosso respeito
– de vida plena para todos – sem que o Filho passasse pela contradição da
condição humana, o sofrimento e a morte, como experimentam todos os
descendentes de Adão e aqueles que procuram nesta vida ser fiéis a Deus?
Queria Deus Pai o sofrimento de seu Filho? Este é um grande mistério e não
cabem aqui respostas fáceis e superficiais. Mas é certo que Deus não quer o
sofrimento para ninguém, muito menos o quis para seu amado Filho.
O fato é que Jesus Cristo, na sua condição humana,
permaneceu fiel a Deus e à sua missão, não obstante as ameaças e perseguições.
E Deus Pai aceitou esta radical “obediência” de Cristo: “obediente até à morte
e morte de cruz” (Fl 2,8). Nessa total fidelidade a Deus, Ele nos deu o
exemplo, para que sigamos os seus passos e permaneçamos fieis a Deus sempre;
nada deve ser colocado acima dessa total fidelidade a Deus. Ao meu ver, o
mistério da cruz de Cristo só se explica pela sua total comunhão com Deus Pai,
que teria sido rompida se Jesus entrasse no jogo das conveniências humanas ou
do medo. Ele não seguiu o “politicamente correto” para salvar a própria pele.
Muitíssimos, a seu exemplo, também enfrentaram todo tipo de desprezo e
discriminação por causa da “verdade”. Tantos morreram mártires, como o próprio
Jesus.
Nossa fé católica em Jesus Cristo não nos permite
escolher apenas algum aspecto de sua pessoa ou de seu ensinamento, que mais nos
agrade. E a Igreja está no mundo para testemunhar a fé completa sobre Jesus
Cristo, Filho de Deus, Salvador. É a fé pascal em Cristo ressuscitado, que
triunfou sobre o pecado, o ódio e a morte; somos as testemunhas de sua
ressurreição e isso constitui um ousadíssimo aspecto de nossa profissão de fé.
Mas isso não nos pode levar a esquecer a cruz de
Cristo. É uma tentação insidiosa, apresentar ao mundo apenas o Cristo glorioso,
sem referência ao Cristo crucificado. A tendência humana de fugir da cruz pode
levar à busca de uma religião fácil e “politicamente correta”, onde só há
“vantagens” e nenhuma escolha difícil ou renúncia. Jesus não ensinou um
Cristianismo sem necessidade de conversão, sem cruz, sem colocar o reino de
Deus como centro de referência para a vida do homem e do mundo. O seu caminho
para a vida plena e para a participação na glória de Deus passa pela cruz.
O papa Francisco, na sua primeira missa com o colégio
Cardinalício no dia 14 de março, ainda na Capela Sistina, observou que a
Igreja, deixando de lado Jesus Cristo crucificado, tornar-se-ia apenas uma “ONG
piedosa”... Falando aos jovens, no Domingo de Ramos, convidou-os a tomarem, com
ele, o caminho para a Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro e
encorajou-os a não terem vergonha da cruz de Cristo e a abraçarem com coragem a
própria cruz, no seguimento de Cristo.
Quando professamos nossa fé, lembremos sempre que a
graça de nossa “liberdade de filhos de Deus” custou “um preço muito alto” (cf
1Cor 6,20): nada menos que o sofrimento, o sangue derramado e a morte do Filho
de Deus feito homem! Celebrando a Páscoa, agradeçamos por tão grande presente!
E em tudo sejamos fiéis a Deus também nós, como foi nosso Salvador.